Viagem na irrealidade cotidiana pdf download






















Se pensarmos bem, justamente o contrrio daquilo que se far de Descartes at o nosso sculo, em que o filsofo ou o cientista que va lem alguma coisa so exatamente aqueles que trouxeram algo de novo e o mesmo, do Romantismo e quem sabe at do Maneirismo em diante, vale para o artista.

O medieval no, faz exatamente o contrrio. Desse modo o discurso cultural medieval parece, de fora, um enorme monlogo sem variaes, porque todos se preocupam em usar a mesma lin guagem, as mesmas citaes, os mesmos argumentos, o mes mo lxico, e parece ao ouvinte que est de fora que se est dizendo sempre a mesma coisa, exatamente como acontece De fato, o estudioso de assuntos medievais sabe reco nhecer diferenas fundamentais assim como o poltico, hoje, nada com desenvoltura individuando diferenas e desvios a cada interveno e sabendo classificar imediatamente seu interlocutor neste ou naquele engajamento.

Mas j antes Bernard de Chartres dissera: Ns somos como que anes em cima dos ombros de gigantes ; os gi gantes so as autoridades indiscutveis, muito mais lcidas e enxergando mais longe que ns, mas ns, pequenos que somos, quando nos sustentamos em cima deles enxergamos mais longe. Havia, ento, de um lado a conscincia de estar inovando e continuando, mas a inovao devia ser apoiada num corpus cultural que garantisse de uma parte algumas persuases indiscutveis e de outra uma linguagem comum.

O que no constitua apenas embora quase sempre acabas se se tornando dogmatismo, mas era o modo como o medie val reagia desordem e dissipao cultural da baixa romanidade, ao cadinho de idias, religies, promessas e linguagens do mundo helenstico, em que cada um se encon trava s com seu tesouro de sabedoria.

A primeira coisa a fazer era reconstruir uma temtica, uma retrica e um lxico comum, nos quais se reconhecer, do contrrio no se podia mais comunicar e o que interessava no se podia lanar uma ponte entre o intelectual e o povo coisa que o medieval, paternalmente e por conta prpria, fazia, ao contrrio do intelectual grego e romano. Ora, o comportamento dos grupos polticos juvenis hoje exatamente do mesmo tipo, representa a reao dis sipao da originalidade romntico-idealista, e ao pluralismo das perspectivas liberais, vistas como capas ideolgicas que A pesquisa dos textos sagrados sejam eles Marx ou Mao, Guevara ou Rosa Luxemburg tem antes de mais nada a seguinte funo: res tabelecer uma base de discurso comum, um corpo de autori dades reconhecveis sobre as quais instaurar o jogo das di ferenas e das propostas em conflito.

Tudo isso com uma humildade completamente medieval e exatamente oposta ao esprito moderno, burgus e renascentista; no tem mais im portncia a personalidade de quem prope, e a proposta no deve passar como descoberta individual, mas como fruto de uma deciso coletiva, sempre e rigorosamente annima. Des se modo uma reunio em assemblia se desenvolve como uma quaestio disputata: a qual dava ao forasteiro a impres so de um jogo montono e bizantino, enquanto nela eram debatidos no s os grandes problemas do destino do ho mem, mas as questes concernentes propriedade, dis tribuio da riqueza, s relaes com o Prncipe, ou natu reza dos corpos terrestres em movimento e dos corpos ce lestes imveis.

As formas do pensamento Mudando rapidamente no que diz respeito a hoje de cenrio, mas sem nos deslocarmos um centmetro no que diz respeito ao paralelo medieval, eis-nos numa aula univer sitria onde Chomsky recorta gramaticalmente nossos enun ciados em elementos atmicos que se ramificam em dois, ou Jakobson reduz a espaos binrios as emisses fonolgicas, ou Lvi-Strauss estrutura em jogos antinmicos a vida parental e a textura dos mitos, ou Roland Barthes l Balzac, Sade e Incio de Loyola como o medieval lia Virglio, no encalo de iluses opostas e simtricas.

Nada est mais pr ximo do jogo intelectual medieval que a lgica estruturalista, como nada est mais prximo dela, no fim das contas, Que no prprio territrio antigo possam ser encontrados paralelos com o debate dialtico dos polticos ou com a descrio matematicizante da cincia no deve surpreender ningum, justamente porque estamos comparan do uma realidade atual a um modelo condensado: mas tra ta-se, em ambos os casos, de dois modos de enfrentar a realidade que no encontram paralelos satisfatrios na cultura moderna burguesa e que dependem ambos de um projeto de reconstituio, diante de um mundo cuja imagem oficial foi perdida ou rejeitada.

O poltico argumenta com sutileza, apoiado pela auto ridade, para fundamentar em bases tericas uma prxis de formao; o cientista tenta restituir uma forma, atravs de classificaes e distines, a um universo cultural explodido como o greco-romano por excesso de originalidade e pela confluncia conflitante de contribuies demasiado dspares, Oriente e Ocidente, magia, religio e direito, poesia, medi cina ou fsica.

Trata-se de mostrar que existem abscissas do pensamento que permitem recuperar modernos e primitivos sob a gide de uma mesma lgica. Os excessos formalistas e a tentao anti-histrica do estruturalismo so os mesmos das discusses escolsticas, assim como a tenso pragmtica e modificadora dos revolucionrios, que ento eram chama dos reformadores ou hereges tout court, deve como devia apoiar-se em cima de furiosas diatribes tericas e cada nuana terica implicava uma prxis diferente.

At as discusses entre So Bernardo, partidrio de uma arte sem imagens, depurada e rigorosa, e Suger, partidrio da catedral suntuosa e pululante de comunicaes figurativas, tm correspondn cia, em variados nveis e chaves, com a oposio entre construtivismo sovitico e realismo socialista, entre abstratos e neobarrocos, entre tericos puristas da comunicao concei tuai e partidrios mcluhanianos da aldeia global da comu nicao visual.

A arte como bricolage Quando se passa porm aos paralelos culturais e arts ticos, o panorama se torna muito mais complexo. De um lado temos uma correspondncia bastante perfeita entre duas pocas que de diferentes modos, com semelhantes utopias educativas e com semelhante mascaramento ideolgico de um projeto paternalista de direo das conscincias, tentam preencher a diferena entre cultura culta e cultura popular, passando atravs da comunicao visual.

Ambas so pocas cuja elite selecionada raciocina sobre textos escritos com mentalidade alfabtica, mas depois traduz em imagens os dados essenciais do saber e as estruturas portadoras da ideologia dominante. Civilizao da viso, a Idade Mdia, onde a catedral o grande livro de pedra, e de fato o manifesto publicitrio, o vdeo televisual, o mstico almana que que deve contar e explicar tudo, os povos da terra, as artes e as profisses, os dias do ano, as estaes da semeadura e da colheita, os mistrios da f, as anedotas da histria sagrada e profana e a vida dos santos grandes mo delos de comportamento, como hoje os astros e os cantores, elite sem poder poltico, como explicaria Francesco Alberoni, mas com imenso poder carismtico.

Junto a essa macia empresa de cultura popular de senvolve-se o trabalho de composio e colagem que a cultu ra culta exerce sobre os detritos da cultura passada. Peguese uma caixa mgica de Cornell ou Armand, uma colagem de Ernst, uma mquina intil de Munari ou de Tinguely, e se estar numa paisagem que no tem nada a ver com Rafael ou Canova, mas que tem muitssimo a ver com o gosto est tico medieval.

Na poesia so centes e adivinhas, os kenning irlandeses, os acrsticos, as tramas verbais de citaes mlti plas que lembram Pound e Sanguineti; os jogos etimolgicos desvairados de Virgilio de Bigorre e Isidoro de Sevilha, que lembram tanto Joyce Joyce sabia disso , os exerccios de composio temporais dos tratados de potica, que parecem Que ento se concretizava nos tesouros dos prncipes ou das catedrais, onde eram recolhidos indis tintamente uma lasca da cruz de Jesus, um ovo achado den tro de outro ovo, um chifre de unicrnio, o anel de noivado de So Jos, o crnio de So Joo aos doze anos de idade.

O todo dominado pelo senso da cor berrante e da luz como ele mento fsico de prazer, e no importa que l houvesse vasos de ouro incrustados de topzios postos para refletir os raios de sol refratados por um vitral de igreja, e aqui haja a orgia em multimdias de um Electric Circus qualquer, com pro jees polaroid cambiantes e lembrando a natureza da gua.

Adalberto, a espada de Sto. Estvo, um espinho da coroa de Jesus, lascas da Cruz, toalha da ltima Ceia, um dente de Sta. Margarida, uma lasca de osso de S. Vital, uma costela de Sta. Sofia, o queixo de Sto. Eubano, costela de baleia, presa de elefante, cajado de Moiss, roupas da Virgem. Objetos do tesouro do duque de Berry: um elefante empalhado, um basilisco, man encontrado no deserto, chifre de unicrnio, cocos, aliana de casamento de S.

Descrio de uma amostra de pop art e nouveau ralisme: boneca estripada com cabeas de outras bonecas mostra, um par de culos com olhos pintados por cima, cruz incrustada de garrafas de Coca-Cola e uma luzinha no meio, retrato de Marilyn Monroe multi plicado, ampliao de quadrinhos de Dick Tracy, cadeira eltrica, mesa de pingue-pongue com bolas de gesso, pedaos de automveis comprimidos, capacete de motociclista pintado a leo, pilha eltrica de bronze sobre pe destal, caixa com tampinhas de garrafas, mesa vertical com prato, faca, mao de Gitanes e chuveiro pendente sobre paisagem a leo.

Dizia Huizinga que para compreender o gosto esttico medieval necessrio pensar no tipo de reao que experi menta diante do objeto curioso e precioso um burgus estar recido.

Huizinga pensava em termos de sensibilidade est tica ps-romntica; hoje veremos que esse tipo de reao o mesmo que sente um jovem em relao a um pster que representa um dinossauro ou uma motocicleta, ou a uma caixa mgica transistorizada em que rodam feixes luminosos, a meio caminho entre o modelinho tecnolgico e a promessa de fico cientfica, com componentes de ourivesaria br bara.

Arte no sistemtica mas cumulativa e compositiva a nossa como a medieval, hoje como ento coexiste o experi mento elitista refinado com a grande empresa de divulgao popular a relao miniatura-catedral a mesma que h entre o Museum of Modern Art e Hollywood , com intercmbios e emprstimos recprocos e contnuos: e o aparente bizantinismo, o gosto tresloucado pela coleo, o elenco, o assernblage, o amontoamento de coisas diferentes devido ne cessidade de decompor e reavaliar os detritos de um mundo precedente, talvez harmnico, mas j agora obsoleto, para ser vivido, diria Sanguineti, como uma Palus Putredinis, que fora ultrapassada e esquecida.

Enquanto Fellini e Antonioni experimentam seus Infernos e Pasolini seus Decameres e o Orlando de Ronconi no absolutamente uma festa re nascentista, mas um mistrio medieval na praa e para a arraia-mida , algum tenta desesperadamente salvar a cultu ra antiga, achando-se investido de um mandato intelectual, e se acumulam as enciclopdias, os digestos, as mostras ele trnicas da informao com que Vacca contava para trans mitir aos psteros um tesouro de saber que est arriscado a se dissolver na catstrofe.

Os mosteiros Nada mais semelhante a um mosteiro perdido no campo, cercado e rodeado por hordas brbaras e estranhas, habitado por monges que no tm nada a ver com o mundo e desenvolvem suas pesquisas particulares que um campus universitrio norte-americano. Chame-se Gerbert d Aurillac ou MacNamara, Bernard de Clairvaux ou Kissinger, pode ser homem de paz ou de guerra como Eisenhower, que ven ce algumas batalhas e em seguida se retira para um mosteiro, tornando-se diretor de college, s para depois voltar ao servio do Imprio quando a multido o chama como heri carismtico.

Mas de duvidar se pertencer a esses centros mons ticos a tarefa de registrar, conservar e transmitir o fundo da cultura passada, talvez mediante complicados aparelhos eletrnicos como sugere Vacca que a restituam aos poucos, estimulando sua reconstruo sem nunca revelar a fundo to dos os segredos.

A outra Idade Mdia produziu no fim um Renascimento que se divertia em fazer arqueologia, mas de fato a Idade Mdia no fez obra de conservao sistem tica, mas sim de destruio casual e conservao desordenada: perdeu manuscritos essenciais e salvou outros completamen te irrisrios, raspou poemas maravilhosos para escrever em cima adivinhas ou preces, falsificou os textos sagrados interpolando passagens e assim procedendo escrevia os seus li vros.

A Idade Mdia inventa a sociedade comunal sem ter tido notcias precisas sobre a plis grega, chega China acre ditando encontrar homens de um p s ou com a boca na barriga, chega quem sabe Amrica antes de Colombo usan A transio permanente Dessa nossa nova Idade Mdia j se disse que ser uma poca de transio permanente na qual sero adotados no vos mtodos de adaptao: o problema no ser tanto o de conservar cientificamente o passado quanto o de elaborar hi pteses sobre o aproveitamento da desordem, entrando na lgica da conflitualidade.

Nascer, como j est nascendo, uma cultura da readaptao contnua, nutrida de utopia. Foi assim que o homem medieval inventou a universidade, com a mesma desinibio com que os clrigos vagantes de hoje a esto destruindo; e talvez transformando.

A Idade Mdia conservou a seu modo a herana do passado no para hiber nao, mas para contnua retraduao e reutilizao, foi uma imensa operao de bricolage em equilbrio instvel entre nostalgia, esperana e desespero. Sob sua aparncia imobilista e dogmtica foi, parado xalmente, um momento de revoluo cultural.

O processo todo foi naturalmente caracterizado por pestes e massacres, intolerncia e morte. Ningum diz que a nova Idade Mdia representa uma perspectiva de todo alegre. Como diziam os chineses para maldizer algum: Que voc possa viver numa poca interessante. Pular no carrossel. Anterior no carrossel. Viagem Na Irrealidade Cotidiana. Enviado por Lilia Horta.

Denunciar este documento. Fazer o download agora mesmo. Salvar Salvar Viagem na irrealidade cotidiana para ler mais tarde. O Aparecimento Do Livro. Pesquisar no documento. Voltando neste livro ao gnero e assunto que o consagraram antes mesmo do grande sucesso de O nome da rosa, Umberto Eco focaliza uma variadssima gama de assuntos, que compreende entre outros os orixs do candombl, as questes filosficas, a ecologia, a deteriorao dos meios de comunicao de massa e o problema da segurana nos dias de hoje.

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Diego Lima Cunha. Nayara Duarte Silva. Carlos Xavier. On touring the museum in two-and-a-half hours, visitors will find priceless exhibits such as the curtain for the door of the Holy Kaaba in Makkah Al Mukarramah, Saudi Arabia dated after ; lampas silk and gold tunic from Iran or Central Asia dated 13ththe century AD; enameled jewellery sescargar Jaipur in India, 18thth century; gilt copper candlestick, from Ottoman Turkey, 15thth century; and lustre plate with leaping quadruped, from either Iraq or possibly Egypt, 9ththe century.

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